terça-feira, 4 de outubro de 2011

O espaço: sistemas de objetos, sistemas de ação


Para Santos (1999, p. 40) O uso dos objetos através do tempo mostra histórias sucessivas desenroladas no lugar e fora dele. Cada objeto é utilizado segundo equações de força originadas em diferentes escalas, mas que se realizam num lugar, onde vão mudando ao longo do tempo. Assim, a maneira como a unidade entre tempo e espaço vai dando-se, ao longo do tempo, pode ser entendida através da história das técnicas: uma história geral, uma história local. A epistemologia da geografia deve levar isso em conta. A técnica nos ajuda a historicizar, isto é, a considerar o espaço como fenómeno histórico a geografizar, isto é, a produzir uma geografia como ciência histórica. Assim pode-se também produzir uma epistemologia geográfica de cunho historicista e genético, e não apenas historista e analítico.
E. Ullmann (1973, p. 126) afirma que o espaço é "uma dimensão mais concreta do que o tempo". E, no entanto, sendo irreversível, está à altura de "medir" o tempo e, vice-versa, de ser medido em termos de tempo. O problema está todo aí. Não se trata propriamente de apurar qual dos dois é mais concreto. A questão da medida recíproca pode ser vista como uma maneira de dizer que tempo e espaço são uma só coisa, metamorfoseando-se um no outro, em todas as circunstâncias. Mas se queremos ir além do discurso e operacionalizá-lo para que se torne um conceito eficaz, temos de igualar espaço e tempo, isto é, tratá-los segundo parâmetros comparáveis.
Segundo Santos(1999, p. 45) O espaço é formado de objetos técnicos. O espaço do trabalho contém técnicas que nele permanecem como autorizações para fazer isto ou aquilo, desta ou daquela forma, neste ou naquele ritmo, se­gundo esta ou outra sucessão. Tudo isso é tempo. O espaço distância é também modulado pelas técnicas que comandam a tipologia e a fun­cionalidade dos deslocamentos. O trabalho supõe o lugar, a distância supõe a extensão; o processo produtivo direto é adequado ao lugar, a circulação é adequada à extensão. Essas duas manifestações do espaço geográfico unem-se, assim, através dessas duas manifestações no uso do tempo.
As técnicas participam na produção da percepção do espaço, e tam­bém da percepção do tempo, tanto por sua existência física, que marca as sensações diante da velocidade, como pelo seu imaginário. Esse imaginário tem uma forte base empírica. O espaço se impõe através das condições que ele oferece para a produção, para a circulação, para a residência, para a comunicação, para o exercício da política, para o exercício das crenças, para o lazer e como condição de "viver bem". Como meio operacional, presta-se a uma avaliação objetiva e como meio percebido está subordinado a uma avaliação subjetiva. Mas o mesmo espaço pode ser visto como o terreno das operações individuais e coletivas, ou como realidade percebida. Na realidade, o que há são invasões recíprocas entre o operacional e o percebido. Ambos têm a técnica como origem e por essa via nossa avaliação acaba por ser uma síntese entre o objetivo e o subjetivo.
Através do processo da produção, o "espaço" torna o "tempo" concreto. Assim, a noção de trabalho  e a de instrumento de trabalho são muito importantes na explicação geográfica, tanto ou mais do que no estudo dos modos de produção. O trabalho realizado em cada épo­ca supõe um conjunto historicamente determinado de técnicas. Segun­do uma frase muito frequentemente citada de Marx (Capital, I, p. 132, edição de M. Harnecker), "o que distingue as épocas econômicas umas das outras, não é o que se faz, mas como se faz, com que instrumentos de trabalho". Esta noção tem, pois, um valor histórico e espacial. A cada lugar geográfico concreto corresponde, em cada momento, um conjunto de técnicas e de instrumentos de trabalho, resultado de uma combinação específica que também é historicamente determinada.
Nossa proposta atual de definição da geografia considera que a essa disciplina cabe estudar o conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ação que formam o espaço. Não se trata de sis­temas de objetos, nem de sistemas de ações tomados separadamente. Nem tampouco se trata de reviver a proposta de Berry & Marble (1968) fundada na teoria de sistemas então em moda e segundo a qual "todo espaço consiste em um conjunto de objetos, os caracteres desses objetos e suas inter-relações" (citados por J. Beaujeu-Garnier, 1971, p. 93).
Segundo Santos (1999, p. 51) O espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, po­voado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes.Os objetos não têm realidade filosófica, isto é, não nos permitem o conhecimento, se os vemos separados dos sistemas de ações. Os siste­mas de ações também não se dão sem os sistemas de objetos.
Para os geógrafos, os objetos são tudo o que existe na superfície da Terra, toda herança da história natural e todo resultado da ação humana que se objetivou. Os objetos são esse extenso, essa objetividade, isso que se cria fora do homem e se torna instrumento material de sua vida, em ambos os casos uma exterioridade.
A ação é um processo, mas um processo dotado de propósito, segundo Morgenstern (1960, p. 34), e no qual um agente, mudando alguma coisa, muda a si mesmo. Esses dois movimentos são conco­mitantes. Trata-se, aliás, de uma das ideias de base ou Marx e Engels. Quando, através do trabalho, o homem exerce ação sobre a natureza, isto é, sobre o meio, ele muda a si mesmo, sua natureza íntima, ao mesmo tempo em que modifica a natureza externa.

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